terça-feira, 18 de junho de 2013

Lar V

    A dona Auristela já era idosa em 1995. E não é "Estela", é "Auristela" mesmo. Uma viúva amiga da minha mãe que de vez enquando ia dormir na minha casa, caso ela tivesse alguma coisa para resolver. Não sei como e quando elas se conheceram, sei que a dona Auristela sempre ia lá em casa, desde o tempo que morávamos no sítio. 
    Ela chegava com uma bolsa muito simples, os cabelos longos e  grisalhos presos em um pedaço de pano. Falava dos filhos e sobre quem tinha morrido na comunidade que ela morava, um sertão no pé da serra.  Eu ficava observando a boca dela, mole pela ausência de dentes, e os olhos tão fundos que eu não saberia nem dizer a cor deles. Quando chegava a hora do Jornal Nacional, ela começava a cochilar e dizer que queria ir se deitar. Começava aí o meu desespero. A dona Auristela tinha um problema respiratório sério, acredito que era asma muito forte, então a minha mãe não podia coloca-la para dormir numa rede da sala, ela morreria de frio e poderia ter uma crise de asma muito séria. Então a minha mãe pegava um cobertor marrom, cheio de quadradinhos, sacudia e dava para Dona Auristela se enrolar. Ela entrava casa a dentro e ia para... a minha cama. Era o único lugar que ela podia dormir. Minha mãe não podia coloca-la para dormir com os meus irmãos e então sobrava para mim. Ela ia na bolsa, pegava uma vela, um terço e um fósforo. Colocava-os  em um tamborete e depois se deitava. Era sempre era assim. Eu deitava ao lado, toda espremida, maquinando maneiras de fazer com que ela pedisse para dormir em outro canto, não comigo. Fazia isso até que eu adormecia ao som dela coçando a garganta. Então às 4 da manhã, ela se levantava. Era a hora do terço. Ela rezava todos os dias, inclusive nos que ia dormir lá em casa. Depois do terço terminado, juntava  as coisas e saia. Sumia no meio da quase-manhã gelada que se faz na minha cidade. Nessas horas ela nunca tinha asma. 

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