terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Lar XI

Ainda lembro quando davam  as 17 horas. Aquele frio nos atravessava a alma. A serra se escurecia e calava. Parecia que mais ninguém saía de casa. Só a cigarra que quebrava o silêncio de vez enquanto anunciando o inverno rigoroso que se aproximava. E cada dia a natureza dava seus sinais. Aquela serra é a coisa mais linda. Da minha casa , eu via a Igreja Matriz e as palmeiras centenárias a sua frente. Típica cidade do interior. Igreja, praça, hospital. Eu me debruçava na janela fria e ficava olhando as pessoas que voltavam do trabalho. Cada um com um rosto diferentes mas todos com expressão amistosa. Aqui e acolá se ouvia um “ôpa” e alguém lá na frente respondia. As vizinhas começavam a desfazer as rodas de conversa e iam preparar a janta para a família. A cidade toda colorida de roupa estendida nos varais e espalhadas pelas calçadas, de repente ficava cinza.  As crianças se recolhiam também por causa do frio, apesar de sempre haver um cristãozinho que aguentava ficar sem blusa com os pés descalços para desespero da sua mãe.  Ouviam-se sempre nos finais de tarde: “Entra pra dentro, fulano, teu pai vai já chegar!”. Assim a vida na pacata cidade se fazia. Aos poucos o cheiro de comida tomava conta da rua e eu ficava tentando adivinhar de onde vinha cada cheiro. “Hum, cuscuz deve ser da casa da Jeane e o cheiro de peixe deve ser da casa da dona Eliane, porque ontem o pai foi pescar com o seu Edmilson”. Cada dia um novo cheiro. Até que o sol por inteiro se punha e as primeiras estrelas apontavam no céu como grandes olhos da noite. Meu pai finalmente chegava. Pedia um copo de água e eu e meus irmãos o ajudávamos a contar as moedas para ver se ele nos dava algumas delas. Era sempre assim, ganhávamos 10 centavos, mas o meu irmão que era mais velho ( era grande) ganhava 25 centavos. Quando ele não dava ia cada um para o seu lado, cabisbaixo. Fora um dia perdido...

Até que o relógio da matriz dava suas 6 batidas, avisando que já eram 6 hora da noite. O Cezinha ligava a radiadora e era iniciada a hora do anjo. 

sábado, 11 de janeiro de 2014

Lar X

Faltar energia no interior antigamente era muito comum. Em toda casa se achavam velas, lampiões e lamparinas. Ainda lembro os meus pais falando coisas como "Ah, isso é coisa do Paulo e do Afonso brigando" quando faltava energia. Coisa que só fui entender bem mais tarde quando aprendi sobre as usinas em Paulo Afonso. Quando faltava energia, a minha mãe ia na cozinha, abria o guarda-louça velho e tirava as velas. Quando não tinha, meu pai mandava um de nós subir a rua no escuro para ir comprar velas no Seu Joaquim.
Um dia, meu pai muito prevenido mandou eu ir comprar velas. Me deu 1 real. Lá fui eu, 7 ou 8 anos descendo a rua para comprar velas. Fui no Edsilson, 8 velhas, 1 Real. Fui no Lásaro. Peguei um maço de velas e perguntei: "Quanto é esse maço de velas?" O Lásarou olhou para a minha pequena mão segurando as velas e disse "1Real". Eu olhei para a embalagem das velas, não sabia ler muito mas eu entendi muito bem "Contém 8 velas". Então eu perguntei: "Quanto é uma vela?", ele disse "10 centavos". Fiquei confusa. Eu perguntei  "Quanto é esse maço de velas com 8 velas?". Ele disse, quase sem graça "1 real". Aí só para confirmar eu perguntei o preço da vela novamente, e ele impacientemente respondeu "10 centavos", mas percebendo que o preço realmente não fazia sentido. Quando eu vi que não tinha jeito, me estiquei toda para que a minha mão com o dinheiro alcançasse o outro lado do balcão para poder pagar pelas vela. Quando eu coloquei o dinheiro na mão do Lásaro, ele pegou duas moedas de 10 centavos, olhou pra mim sorridente e disse "Ah, o maço de velas custa 80 centavos".