Ainda lembro quando davam as 17 horas. Aquele frio nos atravessava a
alma. A serra se escurecia e calava. Parecia que mais ninguém saía de casa. Só
a cigarra que quebrava o silêncio de vez enquanto anunciando o inverno rigoroso
que se aproximava. E cada dia a natureza dava seus sinais. Aquela serra é a
coisa mais linda. Da minha casa , eu via a Igreja Matriz e as palmeiras
centenárias a sua frente. Típica cidade do interior. Igreja, praça, hospital. Eu
me debruçava na janela fria e ficava olhando as pessoas que voltavam do
trabalho. Cada um com um rosto diferentes mas todos com expressão amistosa.
Aqui e acolá se ouvia um “ôpa” e alguém lá na frente respondia. As vizinhas
começavam a desfazer as rodas de conversa e iam preparar a janta para a
família. A cidade toda colorida de roupa estendida nos varais e espalhadas
pelas calçadas, de repente ficava cinza.
As crianças se recolhiam também por causa do frio, apesar de sempre
haver um cristãozinho que aguentava ficar sem blusa com os pés descalços para
desespero da sua mãe. Ouviam-se sempre
nos finais de tarde: “Entra pra dentro, fulano, teu pai vai já chegar!”. Assim
a vida na pacata cidade se fazia. Aos poucos o cheiro de comida tomava conta da
rua e eu ficava tentando adivinhar de onde vinha cada cheiro. “Hum, cuscuz deve
ser da casa da Jeane e o cheiro de peixe deve ser da casa da dona Eliane,
porque ontem o pai foi pescar com o seu Edmilson”. Cada dia um novo cheiro. Até
que o sol por inteiro se punha e as primeiras estrelas apontavam no céu como
grandes olhos da noite. Meu pai finalmente chegava. Pedia um copo de água e eu
e meus irmãos o ajudávamos a contar as moedas para ver se ele nos dava algumas
delas. Era sempre assim, ganhávamos 10 centavos, mas o meu irmão que era mais
velho ( era grande) ganhava 25 centavos. Quando ele não dava ia cada um para o
seu lado, cabisbaixo. Fora um dia perdido...
Até que o relógio da matriz dava suas 6 batidas,
avisando que já eram 6 hora da noite. O Cezinha ligava a radiadora e era
iniciada a hora do anjo.
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