segunda-feira, 27 de maio de 2013

Lar III

    Criança pobre mal sabe o que é ganhar um presente. Lembro das poucas vezes que eu ganhei algum presente quando eu era criança. Lembro que uma vez o meu pai foi para Canindé e trouxe uma conjunto de roupas brancas com um trançado preto e um par de óculos para mim. Para os meus irmãos foram dois bonecos em uma cavalo. Um ninja de preto e um índio americano. Eu acho até que nesse dia meu pai estava vestido com a blusa da TV Diário que ele tinha ganhado do ex-patrão dele. Ele chegou e nós saltamos  para pegar esses presentes, ainda morávamos na casa da minha tia e tínhamos acabado de nos mudar do sítio. 
   Outra vez, subiu um carro na rua, anunciando venda de cadeiras, mesas e outras coisas de plástico. Meu pai subiu o alto da Caixa d'Água para ver e eu fui atras - morrendo de medo da altura. Quando eu cheguei lá, meu pai começo a conversar com o homem e falava muitas coisas que eu não entendia. Eu só olhava para as coisas e ficava me imaginando com elas. Foi aí que o meu pai pegou uma cadeirinha vermelha e me deu: "Pega menina, vai pra casa". Peguei a cadeira como uma prêmio, desci o alto correndo e ignorando o medo, desci "nas carrera". Entrei em casa igual a um foguete, corri, quando cheguei na sala da geladeira, os pés da cadeirinha bateram na parede e fui arremessada para trás. Meu pequeno corpo foi jogado no chão e fiquei bem arranhada e meus dedos "escapelados". Me levantei, continuei correndo até o quintal, levantei a cadeira e disse: "Olha mãe, o que o pai comprou pra mim". Soltei a cadeira e comecei a chorar. 

domingo, 26 de maio de 2013

Mar I

    Ultimamente várias notícias de estupro dentro de carros na região Sudeste têm sido divulgados. Eu fico horrorizada. Já vivemos presos em casa - e eu digo isso porque quando estou em casa, tenho medo de abrir  até a janela - e eu fico angustiada toda vez que eu saio na rua. Eu me sinto numa selva cheia de predadores. E depois de 3 assaltos, eu simplesmente só penso em chegar logo em casa. Os crimes que acontecem nas cidades do Sudeste, chegam aqui também como se fosse uma espécie de "moda do mal".
    Há alguma semanas, eu estava voltando da faculdade: 23h, segunda-feira, Montese. Desço do ônibus e olho triste aqueles 4 quarteirões (aparentemente)desertos que eu preciso atravessar até chegar em casa. Vou andando e na primeira esquina o carro buzina atrás de mim, depois passa do meu lado e para. Lá de dentro uma voz masculina pergunta: "Você sabe como se chega ao Bairro de Fátima daqui?". Apesar de não parecer ameaçador, eu tremi. Fiquei nervosa e assustada, complemente diferente de como eu ficaria quando eu tinha acabado de mudar para Fortaleza, pois se fosse nessa época, eu tinha respondido com a maior solicitude do mundo. Não foi o que aconteceu. Eu apenas disse que não sabia, mas perguntei se ele sabia chegar no Bairro de Fátima pela Expedicionários e ele disse que sim. Eu falei então: "Pode ir direto nessa rua que lá na frente você pode dobrar a esquerda e você vai chegar na Expedicionários". O homem olha para mim e diz: "Você não quer entrar aqui não? Para me ajudar a chegar lá". Gelei. Disse que não. Ele insiste: "Poxa, seria tão bom se você entrasse aqui para me ensinar, estou perdido". Eu falei (menti) que já estava perto de casa, que se eu fosse deixar ele lá, eu ia voltar andando de muito longe. Ele diz "Tudo bem, vou tentar achar pelo GPS". Agradeceu e eu saí com o coração na mão, apressando o passo. Na minha cabeça, aquele homem ia voltar e me obrigar a entrar no carro. Pode ser que o sujeito fosse de bem mesmo, mas infelizmente estava amedrontada demais para ter tempo de analisar isso na hora. Só sosseguei quando cheguei em casa. Depois fiquei pensando: se ele tinha GPS, por que ele não tinha usado logo?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Lar II


Dois costumes do interior eu aprendi desde cedo: independente da idade, irmãos mais velhos cuidam dos irmãos mais novos e o que a sua mãe fala, é verdade, não questione, apenas aprenda. Pois bem, depois que meu irmão mais novo nasceu, ganhei uma nova tarefa: cuidar dele. Então os meus 7 anos foram registrados pelo choro do meu irmão e pelas vezes que ele fez xixi em mim. Em um dia que eu tive liberdade, fui brincar com o meu outro irmão, o Marcelo. Eu peguei uma faca de mesa e comecei a fingir que ia machucar ele. Quando a minha mãe viu a cena, grito de onde estava: "Menina, deixa de brincadeira besta com faca! Senão o cão atenta e tu fura teu irmão". Fiquei com aquilo na cabeça. "o cão atenta e tu fura teu irmão... ","o cão atenta e tu fura teu irmão... ", "o cão atenta e tu fura...". 
Um certo dia a minha mãe mandou eu ir jogar as fraudas sujas do meu irmão no lixo. Na época, não tinha coleta de lixo de casa em casa, tínhamos que subir o alto da Caixa d'Água e colocar as sacolas dentro de um tambor. Lá vai a Marcela subindo o alto com um saco cheio de caca de neném. Quando eu cheguei perto do orelhão da Lêda, a sacola se rompeu, as fraudas saíram rolando rua abaixo e todo mundo começou a olhar para mim e rir. Fiquei muito triste e envergonhada. Larguei tudo e voltei para casa chorando. Entrei,  não falei com ninguém, passei na cozinha e peguei uma faca. Fui para o quartinhos dos fundos. Sentei numa cadeirinha e coloquei a ponta da faca na palma da minha mão, como se eu fosse fura-la. Depois de algumas horas, a minha mãe veio me procurar. "Menina, o que é que eu tá fazendo aí sentada com essa ponta de faca na tua mão?". "Estou esperando o cão vir me atentar". 

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Lar I

    Minha mãe nunca foi lá a pessoa mais criativa do mundo para nomes. Basta observar o nome das minhas irmãs: Natália Cristina e Tereza Cristina. O nome do meu irmão é Marcelo - o meu Marcela - e o meu irmão mais velho se chama Antônio, mesmo nome do meu pai. Enfim, não é lá pessoa de pensar muito em nome. Em 1998 meu irmão mais novo nasceu, no dia 1º de julho - mês que nasceu todos os meus irmãos homens, falta de criatividade também no mês. Antes de ele nascer, a minha mãe já tinha escolhido um nome: João Marcos, "João" por causa da época junina e "Marcos" por causa do apóstolo. Acho que as vezes nem é falta de criatividade, é preguiça mesmo.
    Quando eu acordei nesse bendito 1º de julho, perguntei a uma das irmãs onde estava a minha mãe e ela disse que ela tinha ido buscar o bebê que ia ser meu irmãozinho. Já comecei não gostando desse sujeito meu irmão: onde já se viu? Me deixar sem mãe por uma manhã dos meus 7 anos! Algumas horas depois, a minha mãe chegou em casa com um bebezinho. Lá fui eu espiar o novo membro da família: olhos fechados, pele fina, boca escura, unhas grandes: horrível. O Marcelo, na época com 4 anos, olhou para nosso irmãozinho com uma cara de desprezo e disse: "Mãe, leva exi neném de volta que ele é muto feo. Vai ali naquela casa e tloca ele pelo neném bonito que tem lá". Falava o simplista Marcelo apontando para a casa da Dona Eliane, mal sabia ele que havia chegado o maior companheiro de aventuras que ele podia desejar.