quarta-feira, 19 de março de 2014

Lar XII

         Eu fiquei muito impressionada quando vi uma havaiana custando 32 dólares. Sim, 32 DÓLARES, aproximadamete R$75. Acho que foi sabendo disso que uma criança roubou a minha chinela havaiana quando eu estava na alfabetização. Aliás, minha não! Do Marcelo. Eu acho que a minha provavelmente estava com todos os pregos da Gerdau embaixo por conta os cabrestos quebrados. E por mais que na época um par de havaianas custasse uns R$2,50, isso era muito dinheiro para o meu pai poder comprar duas havaianas de uma vez. Pois bem, quinta-feira a noite, meu pai chega com uma sacola. Pelas aberturas das alças eu vi que era uma par de chinelas. Pensei "Opa! Vou ganhar um par de chinelas, finalmente" pois o diaxo daqueles pregos embaixo da chinela já estavam me matando. Então meu pai tirou a chinela da sacola, abriu o saco e quando eu fui extendendo a mão para pegar... ele diz "Menino, calça esse chinela". Morri. Fui dormir triste e desiludida por causa desse chinela. Era a chinela do mês...e foi para o Marcelo. Tudo bem.
        Sexta-feira acordo animada para o último dia de aula da semana. Tô lá tentando dá um jeito de arrumar meu cabelo que como dizia o meu finado avô, parecia que tinha sido penteado com um ciscador. A minha mãe põe um sapato no Marcelo e vem em minha direção com o tal par de chinelas. Elas eram aquelas havaianas tradicionais: brancas com o cabresto e as bordas azuis. Lindas, novas, sem marca de dedo. A minha mãe colocou-as no meu pé, apesar de eu calçar 2 números a mais, eu empurei o pé até caber. Pronto. Eu ia pra aula de chinela nova! Desci o alto da caixa d'água bem devagar, fazendo o par de chinelas brilhar nos meus pés. O contraste com a cor da minha pele fazia a chinela ficar ainda mais chamativa. Desci, parecendo que estava com uma lanterna no pé. Quando chego na escola, dia normal. Merenda da Tieta e a mulher do Primo: caldo de ovo. No entando, nessa época o espírito da sexta-feira já existia, sendo assim, a tia Telma levou a gente para ir brincar no parque da CNEC. Felicidade. Brinquei na gaiola, no balanço, na escada até que veio a minha ruína: o escorregador. Eu estava muito emplogada brincando na areia, mas queria ir brincar no escorregador. Coloquei as chinelas em um pequeno buraquinho de areia e subi no escorregador. Brinquei, brinquei, brinquei. Na hora de ir embora, olhei para o lugar onde eu tinha guardado as chinelas. Como se diz no Ceará, "tava só o canto". Começou o desespero. Cadê a chinela nova do Marcelo. Sai cavando o parque para ver se alguém tinha escondido mas não achei mais. Fui para casa chorando e  com meio quilo de terra debaixo das unhas. Ficamos sem chinelas novas.
       Anos depois, o Seu Amaral achou uma chinela pelo parque e levou pra gente ver. Não era a chinela do Marcelo mas me fez lembrar daquele triste dia e me pois a chorar só de lembrar.