A Natália é, entre os meus irmãos, aquela que mais se parece com o meu pai. E é a que mais odeia ele. Até o barulho que ele faz com a boca quando termina de beber alguma coisa, a Natália faz igual. Além de gostar de programas de animais, principalmente os silvestres, ela sai procurando aquilo que deixou de ser feito. Se houver uma pilha de louças para lavar e eu esquecer de lavar uma xícara, ela faz o maior alarde. Igualzinho ao meu pai. E ainda tem as expressões. Tem texto que é a mesma coisa: "Sabe o que é isso? Língua!", "Deixe, viu, deixe...", "Marrapás!",entre outras.
No entanto, meu pai nem sempre foi odiado. Ele já foi doce. Ele falava com a gente. Brincávamos. Ele era o boi e eu e os meus irmãos éramos os peões. Era muito divertido. Alguns dias ele ficava com o pescoço arranhado de eu fazer cócegas com as minhas unhas pequenas. Sem contar a divertida tarefa de contar as moedas dele quando ele chegava do trabalho, depois desse costume, ele ligava o rádio da FM Liberdade para ouvir o programa do Seu Zé Marcelino. Todo dia ele trazia cartas do sertão para esse programa. Tinha cata da Canafístula, Marés, Viado Seco, Urubu, Vidéu. Dia de domingo, ele sentava numa cadeira da sala para assistir ao "Viola, minha viola" e foi aí que eu odiei e amei Inezita Barroso. Ele puxava a orelha e dava carão, mas brincava muito. Todos os dias antes de dormir, ele gritava: "Maromba!" (era eu) e eu e minha mãe ficávamos mexendo no cabelo dele, até ele dormir.
Mas as coisas foram desandando e ele mudou muito. Não falava mais, nem brincava. Era sério e quando falava era apenas para reclamar ou dizer coisas ruins com a gente. Com o passar dos anos, ele se transformou em um monstro que eu morro de medo. Começamos a crescer e entender os problemas , vendo coisas erradas que ele fazia. Sofremos muito. As boas lembranças foram, ao poucos, sendo substituídas por gostos amargos. No entanto, seu sempre lembro dele olhando para a Natália e fico pensando, que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais..."