quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ser I

Quem mora no interior sabe como uma conversa se espalha e cresce. Alguma coisa acontece na praça as 3 horas da tarde, as 3:15 já chegou no Multirão, na Caixa D'água, no Mussu, e no Alto do Bode, mas claro, uma história diferente em cada lugar. Pois bem, depois de termos ganhado por dois anos seguidos a prova de ciência da Gincana nas Escolas, no terceiro ano estávamos sem ideias. Então depois de tentarmos o bom  e velho experimento da pilha com a batata inglesa resolvemos seguir uma sugestão. Tinham visto na Internet que em um feira de ciências alguns estudantes tinham colocado fogo nas mãos mas não se queimavam por conta de uma camada daquele tipo de sal azul que se coloca em piscina. Então pensamos "É esse mesmo". Compraram o sal azul e o álcool em gel. Fomos para o colégio para começar os experimentos. Depois de tentar umas cem vezes sem sucesso, eu disse: "Ok, vamos tentar mais um vez e depois vamos desistir". Enquanto eu me preparava -  lógico, eu era a pessoa que colocava fogo na própria  mão - o pessoal do grupo de dança chegou. Entre eles estava a minha amiga que perguntou se ela podia ficar na sala enquanto fazíamos os teste. Eu disse "Ok". Eu tinha lido na Internet que o tal sal azul é corrosivo, e se engerido em altas dosses pode matar. Mas estava tudo sob controle. Até que eu coloquei o fogo na mão, e depois de uns 6 segundos, minha mão começou a esquentar. Involuntariamente, eu sacodi a mão cheia de álcool em gel e sal azul e essa mistura se espalhou para todo lado na sala, mas o pior, uma porção saiu dentro do olho da minha amiga. Aí começou o desespero. Um gritaria. Ela reclamando de dor no olho e eu só pensando no pior. Ainda bem que o hospital é ao lado do colégio. Aí levaram ela para lá, o doutor deu um carão na gente, e ela ficou lá colocando soro no olho. Felizmente, não foi nada grave. Só que nesse meio tempo, algumas pessoas já tinham ido espiar  na porta do hospital para ver o que estava acontecendo. A conversa que chegou na praça era que ela tinha ficado cega, a conversa que chegou na rua dela foi que ela tinha perdido o olho, a conversa que chegou na casa dela era que o doutor dizia "Minha filha, olhe para cima" e ela levantava a cabeça e segurava um dos olhos com as mãos, levantando-o pra cima também. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Lar XIII

Agora a pouco me peguei chorando com saudade de uma pessoa que eu nunca tive proximidade: o Tizaguinha. O tio Gonzaguinha é o tio que eu mais gosto. Ele é irmão do meu pai. O mais novo de uma família de 14 filhos, mas como dizia a minha vó "só 7 se criaram". Na minha vida eu vi ele pouquíssimas vezes mas as poucas vezes que eu o vi, eu aprendi muita coisa. Ele é um sertanejo. Acorda muito cedo e vai encher todas as vasilhas com água. Anda a distância que precisar para encher os potes, as bacias e até os canequinhos que ele encontra. Foi criado nos Targinos, lá perto de Canindé. Homem forte, bravo. O respeito muito. Não preciso dizer que passou fome e que passou necessidade quando era criança. Acredito que ele nunca tenha ido a escola, não saiba ler, só faça contas muito simples mas é uma das pessoas que eu mais sinto saudade. Acho que me falta conviver com aquela simplicidade e aquela calma. Ele é uma pessoa linda. Isso faz muita falta. Quando eu voltar para o Brasil eu vou para Pacajus só para ver o Ti Zaguinha. As última notícias que eu recebi sobre ele era que ele estava sentindo dores no coração, mas mesmo assim, ele tinha que trabalhar debaixo de um sol escaldante. Uma pena. Eu espero do fundo do meu coração que ele esteja bem. Eu lembro de ele sentado em um tamborete perto da porta da cozinha, bebendo água dizendo "ô caô, Golete". Quando ele ia pra Aratuba, meus irmãos o cercavam e ficavam brincando com ele. "-Ti Zaguinha, onde vamos passear hoje?", "-Oda gigante",  "-Ti Zaguinha, o que é mulher?" "-Cacinha". E todos ficavam rindo. Sempre colocávamos toalha de banho para ele se enxugar, mas acustumado com o calor do sertão, ele se vestia direto e descia para a missa da festa do padroeiro só com alguns botões da blusa fechados. E a noite lá estava ele, no canto, olhando as pessoas entrarem na fila da roda gigante, olhando o pessoal atirar nas picocas e xilitos.  Simplicidade é tudo na vida. Eu estou chorando com saudade disso.